Srebrenica. "A vida destas mulheres parou há 25 anos, quando todos os homens da sua família foram mortos"
O genocídio dos Balcãs, onde 8 mil morreram, foi há 25 anos. Serge Brammertz, ex-procurador principal do caso em Haia, fala ao Observador e prefere recordar mais as vítimas do que Karadžić e Mladić.
Cátia Bruno Observador, 11 de julho 2020
Foi num dia quente, muito quente. Srebrenica, um enclave de maioria muçulmana encaixada na atual República Srpska — a parte da Bósnia-Herzegovina de maioria sérvia bósnia —, fora considerada pelas Nações Unidas como uma “área segura”. Em pleno conflito no rescaldo da dissolução da Jugoslávia, milhares de bosníacos (como são conhecidos os bósnios muçulmanos) precipitaram-se para a cidade, à procura de proteção das tropas sérvias bósnias. Os Capacetes Azuis, liderados por um batalhão holandês, garantiriam a proteção.
A 11 de julho, contudo, essa proteção revelou-se insuficiente. A ofensiva que vinha sendo levada a cabo há dias pelo exército sérvio bósnio, liderado por Ratko Mladić, foi finalmente bem sucedida. As tropas de Mladić tomaram conta de Srebrenica e deram início àquele que viria a ser o maior genocídio cometido em território europeu desde a II Guerra Mundial. Ao longo de 11 dias, todos os homens e rapazes encontrados pelas tropas sérvias foram transportados e subsequentemente assassinados e enterrados em valas comuns. As mulheres, que viriam a ser igualmente deportadas, foram sujeitas a violações sexuais em massa.
Em 2016, o Tribunal Internacional para os Crimes da Jugoslávia criado em Haia, em 1993, condenou o líder dos sérvios bósnios, Radovan Karadžić, a 40 anos de prisão por vários crimes de guerra, entre eles o de ter ordenado um genocídio em Srebrenica. No ano seguinte, seria a vez de Mladić, que atuou no terreno, ficando para sempre conhecido como “O Carniceiro da Bósnia”. Pelo meio, ambos estiveram fugidos durante anos, muito graças à proteção da Sérvia de Slobodan Milošević.
Serge Brammertz foi o procurador-principal do processo em Haia que levou à condenação dos dois homens. Em entrevista ao Observador, reflete sobre o papel dos sobreviventes no julgamento, a maioria mulheres como Munira Subašić: “Ela diz-me que perder um filho é a mesma dor para todas as mães”, independentemente “do lado do conflito em que se estava”, conta o jurista. Mas Brammertz também não esquece as atrocidades que aconteceram em Srebrenica e destaca constantemente a violência sobre os que sobreviveram, como os rapazes que “se esconderam nas valas comuns, junto a centenas de cadáveres, até se fazer noite e conseguirem finalmente sair”.