"Schäuble veria com bons olhos uma saída de Portugal do euro" Yanis Varoufakis Ex-ministro das Finanças da Grécia
Cátia Bruno e Micael Pereira Jornal Expresso, 17 outubro 2015
Yanis Varoufakis saiu do governo de Alexis Tsipras, mas não saiu da política. Empenhado em criar um novo movimento europeu que, nas suas palavras, consiga “democratizar a Europa outra vez”, o mediático ex-ministro das Finanças grego tem viajado de forma intensa, partilhando a sua visão sobre o desastre que está a acontecer na zona euro. Este sábado, está no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, para a aula inaugural dos doutoramentos. Uns dias antes, falou com o Expresso a partir de Atenas.
Como vê a evolução da economia portuguesa? Tivemos um crescimento de cerca de 0,9% em 2014 e uma previsão de 1,6% para 2015. Isto é um sinal de que o país está a sair da crise? Claro que não. É absurdo. Isto só prova quão deprimente é a situação na Europa, quando um crescimento de 0,9 ou zero vírgula qualquer coisa, depois de tantos anos de estagnação e recessão, é considerado um sinal positivo. Não é nada disso. É uma prova de que a zona euro continua na velha recessão, inicialmente causada por uma crise financeira global em 2008, mas que agora se deve sobretudo ao falhanço da zona euro em produzir algo de vagamente semelhante a uma política macroeconómica. A economia portuguesa está enterrada sob uma enorme quantidade de dívida (pública e privada), o nível de investimento é pateticamente baixo (como o do resto da zona euro, claro). E se cruzarmos os dados dos preços com os dados do investimento e os dados do crescimento do PIB nominal, a única conclusão razoável a tirar é a de que se passa precisamente o oposto daquilo que descreveram.
Olhando para as negociações com a Grécia e o que daí resultou, pensa que valeu a pena terem negociado tão duramente para no final serem derrotados quase por KO? Sem dúvida! Os cidadãos portugueses — ou os espanhóis ou até mesmo os alemães — sabem agora que a nossa grande zona euro e a nossa economia são dirigidas por um grupo informal que não existe sequer na lei europeia e que se encontra em privado sem que os cidadãos europeus possam saber o que foi discutido. Só sabemos isto devido ao nosso compromisso em negociar e expor — denunciar até — a confusão que é a política económica da zona euro. Do ponto de vista grego, não tivemos alternativa. A Grécia foi apanhada numa espiral de deflação de dívida, perdemos um terço do nosso rendimento, temos uma situação onde a grande maioria dos gregos está na penúria. Toda a gente deve a toda a gente e ninguém consegue pagar as suas dívidas, sejam os cidadãos privados, as empresas ou o Estado. Fomos eleitos para tomar uma posição de princípio. Não tanto uma posição de esquerda, mas uma posição racional, de dizer que este processo de continuar a arrastar a crise para o futuro, enquanto se finge que está tudo a resultar com novos empréstimos e falsas reformas, falhou. É claro que concordo que tivemos apenas a razão moral em julho, quando nos rendemos. E por isso é que me demiti.
Tendo em conta o cenário que acabou de descrever, como é que o país vai lidar com esta nova austeridade? O novo programa de resgate pode ser cumprido? A probabilidade de este programa ser cumprido é zero e o que é trágico é que toda a gente sabe isto. Toda a gente. O FMI, o Banco Central Europeu (BCE), o doutor Schäuble, toda a gente sabe que este programa foi de- senhado para falhar. O único objetivo deste programa era o de esmagar o governo grego por ter dito não à troika. Deixem-me só dar-vos um exemplo: durante o próximo mês, os pequenos homens e mulheres de negócios terão de pagar adiantado os impostos de todo o ano de 2016 sobre os seus lucros previstos, que obviamente nunca chegarão. No próximo mês! Isto é o que se faz quando se quer achatar uma economia e não quando se quer ajudá-la a recuperar depois de sete anos de recessão. O que vai acontecer é que vamos continuar a ter uma diminuição do rendimento nacional, falta de investimento. Os bancos estão a operar apenas como cofres, sem capacidade de emprestar. Este ciclo não pode acabar bem e não vai acabar bem. E nós vamos continuar a encolher, vamos continuar neste ciclo deflacionista, até que a Europa decida fazer algo.
A saída do euro continua a ser um cenário possível para a Grécia se as coisas se mantiverem como estão? Bem, eu espero que não. Isso não vai resolver nada. Não acredito em fragmentar a zona euro, acredito em consertar a zona euro. Agora, está a Grexit ainda em cima da mesa? Claro que sim. E está em cima da mesa porque assim foi decidido: Wolfgang Schäuble quer fervorosamente uma Grexit e acho que ele até iria mais longe e veria com bons olhos uma saída de Portugal [do euro]. Pelo menos muitos círculos na Alemanha, em Frankfurt e por aí fora, gostariam de ver uma zona euro reduzida. Mas isso seria uma catástrofe. Não apenas para os nossos países, mas para a Alemanha também. Assim que se dá início ao processo de fragmentação de uma união monetária, são libertadas forças terríveis que ninguém consegue de facto conter. Teríamos uma nova recessão em massa por toda a Europa. Por isso, essa não é a solução. Infelizmente, é mantida em cima da mesa pelo Eurogrupo, pelo BCE e por várias forças em Bruxelas que usam o medo de uma Grexit, ou de uma saída [do euro] em geral, para convencer os governos a adotar políticas que todos sabem que não irão ajudar à recuperação das suas economias.
E a Grécia poderá estar preparada para uma saída do euro? Não, ninguém pode estar preparado para uma saída da união monetária. Ninguém. Porque isto não é um sistema de câmbio fixo onde se pode simplesmente declarar nula a indexação da nossa moeda à moeda forte, OK? A Argentina fez isso com o peso. Desligou-se do dólar americano. Nós não temos a nossa própria moeda para nos desligarmos, o que significa que a única maneira de sair seria criar uma moeda, para poder desvalorizá-la. Ora, isso é como anunciar uma desvalorização com 12 meses de antecedência. Ninguém pode estar preparado para isso. É desastroso. Porque toda a gente está assustada com este desastre, temos governos como o de Tsipras a capitular perante programas que perpetuam a depressão, particularmente na periferia, o que depois cria forças deflacionistas na Europa. Não podemos admitir ter taxas de juro de zero por cento durante muito tempo sem haver uma recuperação do investimento. Realmente temos feito um péssimo trabalho a gerir esta nossa zona euro.
Diz que a austeridade não funciona, mas que explicação existe para os números da Irlanda, que espera crescer 5,5% em 2015? É um caso muito especial. A única razão para a Irlanda estar a crescer é que todos os outros não estão a fazer o que a Irlanda está a fazer. Porque se trata de uma política beggar-thy-neighbour [política económica que consiste em seguir soluções que agravam os problemas de outros países], não é? Vocês falam de um crescimento de 5% quando, no passado, a Irlanda tinha 14% de crescimento. E o motivo tem a ver com uma taxa de imposto muito baixa que é cobrada às empresas. O Facebook e o Google estão concentrados na Irlanda para evitar pagar impostos noutros lados. A Irlanda está a fazer o seu caminho na Europa de forma desonesta. Além do mais, a Irlanda é um sociedade muito dividida. Quem é que está a crescer? As multinacionais. Uma pequena minoria dos irlandeses está a beneficiar com esse crescimento. A maioria dos irlandeses que sofreram durante o colapso dos bancos e do mercado imobiliário continuam a sofrer. Os salários não melhoraram. Um grande número de jovens emigrou e não vão regressar. Não há empregos à espera deles. Portanto, este não é um tipo de recuperação económica que possa ser usado para se justificar que a austeridade funciona. É uma recuperação económica que está a acontecer apesar de haver austeridade e não por causa da austeridade.
E em Espanha? Espanha não está a começar a recuperar? Nem por sombras. O que tem estado a acontecer é que, por causa da redução de salários, existe uma transferência considerável de postos de trabalho de outras partes da zona euro para Espanha. Mas, genericamente, há um grande aumento de empregos a tempo parcial, com um colapso de empregos de qualidade. E se repararem na trajetória do investimento e nas perspetivas de longo prazo da maioria dos espanhóis, verão o mesmo cenário que em Portugal. Eu diria que, olhando para o que se passa em Espanha atualmente, encontramos mais um sinal de quão baixas se tornaram as expectativas sobre a Europa.
Está surpreendido com o resultado das eleições em Portugal? Não particularmente. O sucesso do Governo anterior em conseguir manter a sua porção de votos, dentro do razoável, deve-se a dois factores, pelo que vejo: primeiro, porque não há uma oposição de esquerda credível na Europa, em termos gerais − especialmente depois do que aconteceu aqui na Grécia, com o nosso Governo de esquerda a render-se. Em segundo lugar, Portugal, pelo menos visto daqui, tem estado numa crise constante há já muito tempo. E o vosso programa de resgate, ao contrário do nosso, não era tão austero. O grau de austeridade que vos foi imposto representa uma percentagem muito pequena do que foi imposto à Grécia. Por isso a combinação de uma crise branda (constante, mas branda, quando comparada com a que tivemos aqui) com a falta de uma oposição que pudesse instilar esperança de uma política diferente, explica o resultado. Mas o que é interessante é que a esquerda saiu-se razoavelmente bem, embora esteja fragmentada, e criou este impasse relativamente à formação de um governo.