Reportagem. Os dias de 14 imigrantes infetados na mesquita de Lisboa
Sem condições para se curarem nos quartos onde viviam, estão isolados num anexo da mesquita de Lisboa. São alimentados pela Comunidade Islâmica e cuidados pelos bombeiros. "É uma coisa muito bondosa."
Cátia Bruno Observador, 27 de abril 2020
A rotina é sempre a mesma. Pelo menos três vezes por dia, um dos bombeiros de serviço naquele anexo, na parte de baixo da mesquita de Lisboa, equipa-se completamente para ir fazer medições de temperatura e oxigénio no sangue aos 14 homens que estão na sala ao lado, separados por grossas paredes brancas e um estreito corredor, uma espécie de antecâmara. Hoje, a tarefa calha a Rafael Correia. O bombeiro enfia as pernas esguias no fato-macaco de proteção, uma a uma, “mas com cuidado para não rasgar com a bota”, segurando o fato pelo elástico que ficará à volta do tornozelo. Aperta o fecho até ao queixo, até não poder subir mais.
Calça o primeiro par de luvas, azuis, e faz um furo com o polegar no fato. “Não se assustem”, avisa ao Observador, antes que o acusem de ter desrespeitado as normas ou arriscado a contaminação. “Quando os fatos não têm esta peçazinha para fechar no pulso, nós resolvemos assim: faz-se aqui um furinho e enfia-se o polegar, ‘tão a ver? Assim, quando formos tirar o fato, as primeiras luvas, que são as que estão possivelmente infetadas, saem logo atrás do fato, sem lhes tocarmos”, explica.
Rafael pode ter apenas 21 anos, mas é bombeiro na corporação da Ajuda desde os 12 e leva muito a sério a formação que teve a propósito da Covid-19. “Nós tivemos formação como deve ser, acreditem. Não ando aqui a brincar”, atira em tom de desafio, ele que aprendeu ao crescer num dos bairros populares da cidade, como quem avisa para não nos deixarmos enganar. Nem pela sua idade, nem pela pouca altura, nem pela Playstation que trouxe no saco para matar as horas de espera — e muito menos pelos ombros estreitos que parecem afundar-se e ficar a nadar dentro do Equipamento Pessoal de Proteção (EPI).