Na Irlanda do Norte, os muros continuam erguidos: "Ninguém aqui está limpo"
Paul levou 6 tiros e ficou paraplégico. Grace ajudou a consolar órfãos de um atentado. As marcas dos Troubles ainda se veem em Belfast. E o Brexit, tema central das eleições, pode reabrir as feridas.
Cátia Bruno Observador, 8 de dezembro 2019
Paul Gallagher estava em casa, a ver televisão com os pais e os irmãos, quando vários homens armados, com as caras tapadas por passa-montanhas negros, entraram em sua casa. Apontaram as metralhadoras à cara de todos os membros da família Gallagher e amarraram-nos. O ano era 1994 e aquele era o bairro de Suffolk Estate, em West Belfast. Os Troubles, o conflito sectário que opunha católicos e protestantes, nacionalistas e unionistas, ainda durava. Os homens armados pertenciam à Força Voluntária de Ulster (UVF na sigla original), uma das milícias unionistas, e entraram na casa da família Gallagher por ser próxima da de um vizinho que pertencia ao Exército Republicano Irlandês (IRA em inglês), o alvo a abater nessa noite.
Porém, porque o vizinho tardava em chegar a casa, fartaram-se de esperar. Decidiram sair, mas não sem antes deixar um presente de despedida: uma rajada de tiros contra a fachada. Seis deles atingiram Paul, que ficou gravemente ferido. Uma das balas ficou alojada na sua coluna vertebral — e o jovem de 21 anos nunca mais voltaria a andar.
Paul conta esta história, sem pausas ou lágrimas, no gabinete onde trabalha como investigador da Queen’s University, em Belfast. Como presidente da Associação de Vítimas dos Troubles, já a partilhou muitas vezes, com muita gente. Prefere antes soltar algumas gargalhadas, como quando recorda ao Observador como foi crescer num bairro católico, no final da década de 80, na capital da Irlanda do Norte: “Enquanto criança, cresci a ver uma vedação do outro lado da janela. Às vezes passávamos perto do Muro da Paz e levávamos um enxerto de porrada dos miúdos mais velhos do outro lado. Portanto, eu passei a ir com uma barra de ferro na mão — mas levava porrada à mesma.”