Meninos de Deus. A seita polémica que passou por Portugal
Defensores do amor livre, criaram comunas na linha de Cascais. O líder, suspeito de abuso de menores, morreu na Caparica. História do polémico grupo religioso que tinha uma "estratégia ibérica".
Cátia Bruno Observador, 22 abril 2018
"Tinha 4 ou 5 anos quando descobri que o mundo ia acabar em 1993. Nós, porque éramos os escolhidos por Deus, seríamos os mártires. A ideia de que ia ser uma mártir aos 12 anos apoderou-se da minha cabeça. Todas as noites deitava-me a pensar nisso e tinha pesadelos." Esta é apenas uma das memórias que Flor Edwards, 36 anos, tem sobre a sua infância. Filha de mãe sueca e pai norte-americano, cresceu dentro de um grupo invulgar, que juntou os seus pais: uma associação religiosa, com traços de seita, chamada Meninos de Deus.
O seu dia-a-dia, dentro de uma das casas-forte do grupo, era "cheio de regras", explica ao Observador. Dezenas de crianças no mesmo quarto, várias famílias no mesmo edifício e um sem número de horários e tarefas: leitura das escrituras e aprendizagem dos ensinamentos do Padre David pela manhã, limpeza da casa, aulas e desporto pela tarde. "Das sete da manhã até à hora de dormir, éramos constantemente vigiados pelos 'pastores'", descreve Flor, que acabaria por escrever o livro de memórias 'Apocalipse Child' (sem edição em português). "Tive uma infância muito solitária."
Flor, contudo, teve a sorte de não ser uma das vítimas de abusos físicos e sexuais a que foram expostas outras crianças dentro do grupo, como Julia (nome fictício), ouvida pelo Observador. E, ao contrário de Julia e de outros, não teve de fugir sozinha — a sua família acabou por se afastar dos Meninos de Deus após a morte do líder, David Brandt Berg.