“A minha condenação é a vitória dos generais angolanos. Gozem-na bem”
Jornalista angolano foi condenado a pena suspensa de seis meses de prisão por difamação e denúncia caluniosa. Em declarações exclusivas ao Expresso, Rafael Marques diz que houve “má-fé deliberada” do tribunal e garante que o recurso vai para a frente.
Cátia Bruno Expresso Diário, 28 maio 2015
"Uma cilada”. É assim que Rafael Marques classifica o que se passou no Tribunal Provincial de Luanda no caso que o opôs a duas empresas de exploração diamantífera e a sete generais que ocupam posições de destaque nas mesmas. Entre eles está o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”.
Em causa estão as denúncias de violações de direitos humanos nas explorações de diamantes das Lundas, presentes no livro "Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola", publicado em Portugal em 2011, que motivaram a condenação por "difamação" e "denúncia caluniosa", anulando o acordo anteriormente conseguido com os queixosos. "Só tenho uma reação: é a vitória do absurdo, é a vitória dos generais. Gozem-na bem", declarou o jornalista e ativista ao jornal Expresso esta quinta-feira.
Cumprindo a promessa que tinha feito no dia anterior, em declarações ao site Rede Angola, Rafael Marques irá agora interpor recurso da sentença para o Supremo Tribunal, mesmo que isso venha a implicar uma confirmação da pena ou, pior ainda, um agravamento da mesma. "O que é importante ressaltar nisto tudo é uma expressão que é muito cara ao MPLA: a luta continua", disse o jornalista numa conversa telefónica com o Expresso, já depois de conhecida a sentença.
Uma questão de má-fé "Houve má-fé deliberada", classificou Marques, referindo-se ao acordo anteriormente conseguido com os queixosos e que caiu por terra com esta decisão. Na passada quinta-feira, os generais angolanos e as duas empresas diamantíferas aceitaram um acordo e abdicaram do pedido de condenação do jornalista, ficando lavrado em ata que as explicações de Marques foram aceites como "verdadeiras". O entendimento previa uma maior vigilância das violações de direitos humanos nas Lundas (na qual o próprio Marques estaria envolvido) e a não-republicação de "Diamantes de Sangue". No entanto, o livro continuaria disponível gratuitamente na internet.
Como consequência, as testemunhas convocadas pela defesa não chegaram a depor em tribunal, muito embora tenham feito a viagem para Luanda várias vezes. Na sessão seguinte, o procurador do Ministério Público Miguel Janota disse considerar não terem sido provadas as afirmações presentes no livro, estando por isso presente um crime de difamação, e pediu uma pena de prisão de 30 dias para o jornalista. Para Marques, o acordo acabou por ser um golpe encenado: "Foi um ardil para evitar que os generais fossem depor e para que as minhas testemunhas não fossem ouvidas."
Ainda antes disso, o jornalista destaca uma reunião que teve no passado com os queixosos e que crê ilustrar a forma como o processo foi conduzido: "Um dos advogados disse que já tinha 'combinado a sentença' e que bastava eu pedir desculpas para ter 'uma prisão simbólica de três dias'", relata. "Obviamente não aceitei e disse: 'encontramo-nos em tribunal'."
Liberdade de expressão deteriorada Também Bárbara Bulhosa, editora do livro "Diamantes de Sangue", considera que este foi um estratagema para que as testemunhas de Marques não fossem ouvidas e acrescenta que "isto demonstra a integridade e a honra destas pessoas". A editora diz ao Expresso esperar agora que o caso tome maiores proporções fora de Angola, nomeadamente em Portugal: "Não é possível o Governo português continuar a ignorar isto", diz. "Acho gravíssimo, sobretudo quando este país tem tanta influência económica em Portugal."
Bulhosa destaca a proposta feita na Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda em março, que solicitava às autoridades angolanas a anulação do julgamento, visto este resultar apenas "do legítimo exercício do direito da liberdade de expressão" e que foi chumbada pelo Parlamento - tendo contado apenas com o voto a favor da bancada do Bloco e de cinco deputados do Partido Socialista.
Internacionalmente, o caso também adquiriu alguma projeção, com organizações como a Amnistia Internacional (AI) a apelar à não-condenação do jornalista. Esta quarta-feira, a Human Rights Watch (HRW) divulgou uma carta que enviou ao Presidente José Eduardo dos Santos a propósito do julgamento de Rafael Marques, pedindo ao dirigente angolano que tome medidas relativamente ao que crê ser "uma maior deterioração do ambiente de liberdade de expressão em Angola". A carta aberta foi assinada por 50 personalidades, entre elas diretores de várias organizações não governamentais, como a AI e a HRW, e académicos de universidades como a de Oxford.
Contactada pelo Expresso, uma das signatárias revelou grande preocupação pelo ambiente que se vive atualmente em Angola, do qual o caso de Marques será apenas a ponta do icebergue: "Quem me dera que também houvesse uma carta sobre José Marcos Mavungo", desabafou, referindo-se ao ativista que está detido a aguardar julgamento pela organização de uma manifestação em Cabinda e que se encontra bastante doente. "Devemos usar o caso do Rafael para chamar a atenção para outros casos de pessoas menos conhecidas, mas que têm igual importância."