Greg Louganis. “Guardar segredo do HIV foi como viver numa ilha só com um telefone"
Ficou famoso pelo acidente em Seúl, quando bateu com a cabeça, mas Louganis tem muitos recordes a acompanhar Cátia Bruno Jornal i, 21 julho 2012
Greg Louganis nunca tinha vindo a Portugal. O primeiro homem a receber 10 de todos os juízes num salto para a água está nos Açores, como juiz do RedBull Cliff Diving, o campeonato mundial de saltos para a água em meio natural. “Isto aqui é muito bonito, mesmo!”, diz logo de início. Quando lhe dizemos que é um prazer conhecê-lo, desvaloriza: “Oh, not at all!”, responde com um ar ligeiramente envergonhado. No dia da primeira ron- da da prova, Louganis esteve atarefado a dar pontos, mas aceitou falar com o i de boa-vontade.
O Greg uma vez disse que esperava viver o suficiente para ver os seus recordes serem quebrados. Acha que é nestes olímpicos que vamos ver isso? Bem, quanto aos recordes de de pontuação é impossível, porque mudaram o sistema de pontos...
Mas desde 1988 que ninguém voltou a ganhar o ouro tanto nos três metros em trampolim como nos 10 metros em plataforma. Ah, sim, os recordes das medalhas... Bem, a Guo Jingjing tem mais uma medalha do que eu. Mas é difícil fazer uma comparação, porque ela saltava no trampolim e depois passou a fazer saltos sincronizados. Não sei se hoje em dia há alguém que domine tanto em plataforma como no trampolim. Hoje em dia as pessoas especializam-se, é quase impossível competir nos dois, tanto a nível individual como sincronizado. Mas no que toca a recordes de performance... Sim, os meus saltos foram batidos, foram mesmo batidos!
Mas isso decorre da evolução natural do desporto, não é? Sim, claro, e é óptimo! Eles agora fazem novos saltos, coisas malucas!
O seu percurso foi muito influenciado pelo seu treinador, o Ron O’Brien. Em 1988, em Seúl, depois de se ter magoado, ele teve uma forma muito curiosa de o motivar, não foi? [Risos.] Sim, ele a brincar disse-me: “Os jogadores de hóquei magoam-se, levam uns 20 pontos e voltam para o jogo, isto não é nada!” O Ron O’Brien... [Suspira.] Sou um verdadeiro crente em que não se alcança a grandeza sozinho e que há sempre alguém connosco. Para mim, nos saltos, foi o Ron O’Brien.
É verdade que antes dos Jogos de 1988 o Greg tinha receio de fazer o 307C, o chamado “Salto da Morte”? Eu andava a treinar esse salto e quando o Sergei Chalibashvili bateu com a cabeça na plataforma e morreu [nos Jogos Universitários de Alberta em 1983], senti-me responsável. Senti que se calhar estava a pressionar estes saltadores a fazerem saltos para os quais eles não estavam preparados. Por isso passei muito tempo a rever aquilo que ele tinha feito no salto, em termos mecânicos, para ter a certeza de que não faria o mesmo. E evitei fazer esse salto daí em diante.
Em 1979, em Tbilisi, o Greg também bateu com a cabeça ao mergulhar... [Interrompe como quem já conhece a missa de cor] Bati e fiquei inconsciente durante 20 minutos. Não me lembro de nada, por isso foi fácil.
Não ficou com medo depois? Não, porque não me lembro de nada, não foi um problema.
O facto de as suas pernas serem ligeiramente afastadas tornou-se uma van- tagem competitiva, certo? Sim, os chineses agora fazem isto [exemplifica esticando as pernas e afastando-as ligeiramente]. Juntam os dedos dos pés e afastam as pernas, para poder ver ao saltar. Parte-me todo! A primeira vez que vi, fartei-me de rir e disse: “Eles copiaram isso de mim!”. Eu nasci assim, mas eles copiaram, encontraram o caminho [risos.]
Os chineses admiram muito a forma como Greg se movimenta, chamam-lhe “felino”. Será por isso que o actor Michael Fassbender diz que se inspirou nos seus movimentos para o papel no filme “Prometheus”? Eu sei, adorei isso! Fiquei muito lisonjeado... Pensei logo: “Michael Fassbender, és gay?” [risos.] É que ele entende-me! É isso que eu tento transmitir aos miúdos que ensino, a economia da fisicalidade. Não pode haver desperdício de movimento. É isso que distingue as grandes exibições, o tudo parecer sem esforço. No talento encontramos o trabalho, mas quando pomos o trabalho de lado, surge a arte. Era esse o meu objectivo.
Ainda é treinador? Eu faço mentoring. Só quando o treinador me pede ajuda é que eu observo e opino. Lido mais com o lado mental, a pressão da competição, a confrontação dos medos, a vida fora da piscina... Muitas coisas diferentes.
O Greg é talvez o melhor atleta que existe para isso, com todo o seu percurso de vida. Acho que nos desafios que enfrentei estão coisas boas para partilhar. Espero ajudar outras pessoas com isso.
Quando era novo fazia dança, ginástica, representação... Esses eram provavelmente os maiores motivos de gozo por parte dos outros miúdos. Ao início isso foi um problema, mas depois... [Interrompe.] Tornou-se uma bênção.
E isso ajudou no desporto? Sem dúvida! Tornou-me uma pessoa mais forte, ajudou-me a aceitar a criatividade, deixar de ter um pensamento tão linear, usar a minha imaginação... A minha imaginação era o meu recreio e isso encorajou o meu mergulho.
E 1988, quando tudo aquilo aconteceu, o que pensou? Estava provavelmente muito nervoso com o dia seguinte... Sim, não sabia o que fazer. Acho que foi chocante quando aconteceu, mas o que surpreendeu mais as pessoas foi eu ter saltado de novo. Até escrevi um artigo para o Huffington Post sobre isso.
Onde o Greg diz que se tornou “o mariquinhas mais duro de sempre.” Sim, sim. Porque naquela fracção de segundo quando eu bati com a cabeça, tornei-me o menos favorito. Tudo passou a ser um salto de cada vez, um segundo de cada vez, um dia de cada vez.
Assim que percebeu que estava fisicamente bem, a competição passou a ser o objectivo principal? Claro, temos de deixar estas coisas para trás. As pessoas perguntam-me como ultrapassei aquilo e eu explico que eu não tive tempo para ultrapassar. Para ultrapassar algo é preciso tempo e trabalho. Eu só pude afastar aquilo e confiar que o meu corpo era capaz de fazer o que foi treinado para fazer.
E Ryan White [o rapaz de Indiana que foi expulso da escola aos 13 anos por ser seropositivo] foi a sua inspiração naquele momento? Ele era um lutador. Eu convidei-o para ir aos Olímpicos partilhar aquele momento comigo, mas não o deixaram entrar no país porque ele era seropositivo. Não pude partilhar aquele momento com ele, mas de certa forma partilhei. Depois dei uma das minhas medalhas à Jeannie White [mãe de Ryan].
A razão do Ryan não ter ido foi uma das principais razões para o Greg ter decidido não contar que era seropositivo. O que o levou a contar mais tarde? Bem, a minha sexualidade não era segredo para a minha família e amigos, só para o público em geral. Agora o HIV... Poucas pessoas sabiam, por isso sentia-me como se estivesse a viver numa ilha onde só tinha um telefone para comunicar com o mundo exterior. Eu sabia que provavelmente não era o único e que havia pessoas no mundo que gostavam de mim. Por isso pensei que contando e partilhando a minha experiência alguém se iria sentir menos sozinho.
Continua a levar os seus cães a competições caninas? Não, eles já se reformaram [risos.] O Nipper já tem 15 anos, o Dobby 11... já estão velhotes.
Porque é que deu o nome de algumas personagens da saga Harry Potter a alguns deles? [Para além do Dobby tem o Gryffindor e a Hedwig]. Sou um grande fã do Harry Potter! Dos livros e dos livros em versão áudio, narrados pelo Jim Dale.
E como é que o Greg veio aqui parar ao Cliff Diving? Convidaram-me o ano passado! E este ano repetiram o convite e espero que para o ano seja igual, é uma experiência única!
(Pode ler o artigo original no Jornal i - versão pdf, aqui e aqui)