São estrelas, têm multidões a aplaudi-los e escrevem-se rios de tinta sobre eles. Depois, um dia, tudo acaba. Como lidam os atletas com o fim da linha? O i falou com alguns e recordou as histórias de outros Cátia Bruno Jornal i, 24 maio 2012
Junior Seau suicidou-se com um tiro no peito no início deste mês. Linebacker de várias equipas, a sua equipa de sempre era os San Diego Chargers. Retirou-se em 2006; não aguentou e regressou ao futebol americano. Em 2010 anunciou o fim definitivo e dois anos depois resolveu acabar com a vida. As suspeitas, agravadas pelas declarações da namorada de que o jogador teria ficado com lesões cerebrais permanentes devido ao desporto, não tardaram a surgir: Seau estava deprimido sem o futebol. Actividades não lhe faltavam, de um restaurante a projectos de solidariedade, passando por uma linha de roupa. Mas a morte do linebacker levanta a questão: como é que se lida com o final de uma carreira desportiva?
“Quando somos figuras do desporto nacional e estamos habituados a ser reconhecidos por aquilo que fizemos, o mais difícil depois é voltarmos a ser integrados na comunidade como pessoas normais.” Quem o diz é Aurora Cunha, uma das actuais porta-vozes do atletismo nacional e dona de muitas medalhas e algumas mágoas. Ao contrário do que se pensa, nenhuma por não ter conseguido uma medalha olímpica – “Falhei em 92 na maratona dos Jogos, mas tenho aquilo que é mais precioso, que é a minha filha”, remata. Foi apenas dois meses depois de voltar desses mesmos Olímpicos, em Barcelona, que Aurora descobriu estar grávida, o que, para a fundista, ditou a morte prematura da sua carreira. “Enquanto o atleta ganha provas e dá títulos a Portugal, é tudo muito bonito, mas depois leva um atestado de óbito. Foi o que me aconteceu”, diz sem vacilar. As lesões nos dois tendões de Aquiles tornaram impossível uma recuperação sem apoios. “Passado um ano, por exemplo, fiquei logo sem o subsídio de alta competição.”
As lesões são muitas vezes responsáveis por finais de carreira prematuros. Quem percebe disso é Neuza Silva, a primeira portuguesa a passar da primeira ronda no Estoril Open. Aos 27 anos, uma lesão no joelho esquerdo obrigou-a a pousar a raquete. “Não foi fácil, foram alguns meses a fazer o luto, mas consegui ultrapassar com alguma facilidade”, explica Neuza, tenista profissional desde os 16 anos. Agora, com 29, leva a vida que planeou. “Eu já sabia muito bem o que ia fazer a seguir à competição. O meu sonho era tornar-me treinadora e tentar ensinar o que aprendi ao longo destes anos que dediquei, e vou continuar a dedicar, à modalidade. E é isso que esta a acontecer: sou treinadora no Clube de Ténis de Sassoeiros, que era onde treinava.” Como se não bastasse, Neuza é ainda a seleccionadora nacional de ténis de sub-14.
Mas não é caso único. Muitos são os atletas que se tornam treinadores e seleccionadores depois de a carreira terminar. Só no futebol português a lista é interminável: Paulo Bento, Sá Pinto, Chalana, Paulo Sousa, João Pinto... Sem esquecer os que ocupam cargos de direcção nos antigos clubes, os que fazem regularmente comentários televisivos e os que criam escolas de futebol. Foi o caso de Jorge Cadete, que em 2005 criou a sua própria academia para crianças. É a única parte típica do seu percurso: em tudo o resto, Cadete fez um caminho diferente dos outros. Em 2002, depois de sair do Estrela da Amadora e ficar sem clube, tornou-se um reformado precoce. Foi então que passou a ser conhecido como o primeiro futebolista português a participar num reality-show: o “Big Brother Famosos”. Acabado o programa, investiu numa loja de animais e noutra de informática, mas ambas acabaram por fechar. Com saudades dos relvados, voltou ao futebol profissional em 2004, na Escócia, onde os adeptos lhe haviam criado uma música em 1996/1997, quando jogava no Celtic de Glasgow. Mas se nessa altura os escoceses cantavam “There’s only one Jorge Cadete, he puts the ball in the netty” (“só há um Jorge Cadete, ele põe a bola na rede”), desta vez não tiveram razões para isso: apenas um golo em oito jogos e um regresso prematuro a Portugal. Seguiram-se o Pinhalnovense e o São Marcos. Agora Cadete é treinador.
A ideia de regressar passa pela cabeça da maioria dos atletas. “Ainda houve uma altura em que pensei voltar, mas realmente o joelho não me permitia treinar regularmente”, diz Neuza Silva. Alguns passam mesmo do desejo a acto. Foi o caso de Pauleta: em 2007 anunciou ao jornal francês “Le Parisien” que se ia retirar e eis que três anos depois anuncia um tímido regresso. No Desportivo de São Roque, clube da ilha de S. Miguel, de onde o futebolista é natural. Pauleta jogou apenas alguns jogos, mas os adeptos ficaram felizes e o açoriano matou as saudades.
“Eu ia sempre adiando a situação, porque a minha vontade era continuar, mas sabia que haveria de chegar uma altura em que teria de parar. E quando vi que não conseguia mais disse ‘não, não posso continuar, tenho de parar agora e vamos ver o que acontece’”, conta António Ramalhete. Guarda-redes de hóquei em patins durante 25 anos, foi protagonista de uma das mais acaloradas transferências do Benfica para o Sporting que o país já viu. E jogou até a idade não deixar mais, retirando-se aos 39 anos. Nos meses a seguir foi difícil. “Às vezes sonhava que estava a jogar!” Mas depois disso, António, mecânico de profissão, fez tudo o que havia para fazer no hóquei: foi treinador em Sesimbra, Turquel e Amadora, director desportivo da modalidade no Benfica e comentador na Sport TV e na RTP, onde ainda se mantém. E vai acompanhando todos os jogos que pode, sempre.
Enquanto alguns se reinventam e descobrem novas maneiras de seguir em frente, outros, como Junior Seau, não conseguem lidar com o fim da linha. Mas não é preciso ir tão longe; impossível esquecer Vítor Baptista, o Maior, rei e senhor dos relvados por apenas alguns anos. Chamaram-lhe génio, mas acabou os seus dias a mendigar nas ruas de Setúbal, consumido pelo álcool e pelas drogas. Em dias de jogo costumava pedir à porta do Estádio da Luz: “Lembras-te de mim? Eu já joguei ali, eu era o Maior!”, dizia. Morreu no dia de ano novo, em 1999, com apenas 50 anos.
(Pode ler o artigo original no Jornal i - versão pdf, aqui e aqui)