Elas fugiram da Coreia do Norte. Histórias de quem não pode, nem quer, regressar
Lee fugiu para ver como era a vida na China e nunca mais voltou. Park conseguiu sair duas vezes do país de Kim Jong-un, onde esteve num campo de trabalhos forçados. Falámos com elas.
Cátia Bruno Observador, 10 agosto 2017
Jihyun Park saiu da Coreia do Norte há 18 anos, mas as quase duas décadas de distância não lhe apagaram um último arrependimento. "Não me despedi do meu pai, porque pensava que ia poder regressar. A minha última memória dele é vê-lo sentado na sala, sozinho." Park tinha 30 anos e tomou a decisão de abandonar o único país que conhecia por pressão do próprio pai, um motorista estatal. O objetivo era o de fugir com o irmão mais novo, que tinha desertado do Exército. Park e a família não tinham completa noção do que lhes poderia acontecer, mas não quiseram arriscar. Foi assim que os dois irmãos partiram para o desconhecido.
Foi o início da viagem de uma vida, que levaria Park à China e por fim ao Reino Unido, país com uma das maiores comunidades de norte-coreanos na Europa (cerca de 600). Agora, com 49 anos, a norte-coreana conta ao Observador a história da sua vida fora da Coreia do Norte num tom calmo e distante. Na fronteira nordeste do país, um traficante separou-a do irmão, que nunca mais viu, e vendeu-a por cinco mil yuan (cerca de 600 euros) a um marido chinês. Seguiram-se anos a ser controlada pela família do marido: "Na minha aldeia havia outras quatro mulheres norte-coreanas, mas nunca pude conhece-las", recorda Jihyun. "Costumava cruzar-me com uma delas na rua, mas não falávamos. Tínhamos medo. Só trocávamos olhares."
Ao fim de seis anos engravidou, mas, ao contrário do que o marido queria, não abortou. Durante meses escondeu a gravidez e acabou por fazer o parto sozinha. Depois, temendo que a família do marido lhe tirasse o bebé, ganhou coragem e fugiu com ele para a cidade mais próxima, onde acabou a sustentar-se vendendo vegetais no mercado. A odisseia na China terminaria de forma negra: denunciada por outros vendedores, acabou por ser deportada de volta para a Coreia do Norte. Miraculosamente, passou apenas dois meses num campo de trabalhos forçados. Uma lesão grave numa das pernas foi o preço alto a pagar pela liberdade: "O diretor do campo disse-me 'não podes morrer aqui', e libertou-me. Estávamos em 2004, um ano em que morreu muita gente nos campos norte-coreanos e as autoridades não queriam arriscar ter mais pessoas a morrer a seu cargo", alvitra Jihyun.