De criança tímida a político exuberante: Boris Johnson não é uma piada
Falha prazos, mas é perdoado por ser "brilhante". Ofende em tomo jocoso e não perde fãs. E gosta de não ser levado a sério. A sua ambição, porém, não é brincadeira. Perfil do novo PM britânico.
Cátia Bruno Observador, 23 de julho 2019
Faltam menos de dois minutos para a hora marcada do discurso quando Boris Johnson aparece, esbaforido. Pega num papel, faz algumas perguntas aos membros da organização e rabisca umas frases. Segue para o palco, com o cabelo desalinhado. Perante os presentes, declara em voz alta: "Senhoras e senhores, bem-vindos ao... Errrr...", gagueja, antes de se virar para trás para confirmar o nome do evento em que participava. "Aos prémios internacionais de securitização!" A multidão. achando que é uma piada, rebenta em gargalhadas.
Segue-se um discurso cheio de imagens fortes: as ovelhas que o avô não podia enterrar de imediato por causa das regulações da UE, o amigo do tio em cujo nome ele não acerta ("Mick? Não, era Jim. Não, era Margaret, afinal!"), o respeito pelo autarca do filme O Tubarão porque mantinha as praias abertas ao público... As analogias estão tão bem costuradas e as frases são tão bem atiradas que a multidão aplaude de pé no final. Jeremy Vine, o homem da BBC que vai entrar em palco a seguir naquele evento da indústria financeira, fica embasbacado: "Percebi que estava na presença de um génio", recordaria mais tarde num artigo que escreveu para a Spectator — a revista que foi em tempos dirigida precisamente por Boris Johnson.
Até que, 18 meses mais tarde, o apresentador foi a outro evento onde o, à altura, deputado era mais uma vez orador. E aquilo a que assistiu deixou-o de boca aberta: Boris Johnson repetiu o mesmo número, ponto por ponto. O atraso, a folha rabiscada e o facto de, aparentemente, não saber em que evento estava aconteceram uma vez mais. As referências às ovelhas, a Margaret e ao autarca d'O Tubarão também. E até o aplauso de pé da audiência, no final, se repetiu. "Ele é capaz de um bom espetáculo, lá isso é", comentaria Charles Moore, antigo diretor de Boris no jornal Daily Telegraph, quando questionado pelo Observador sobre a personalidade do, agora, líder do Partido Conservador e primeiro-ministro britânico.