Enquanto o Governo negoceia a segunda avaliação de um terceiro programa de resgate, os gregos vão sentindo na pele os efeitos de uma austeridade sem fim. Em Atenas já não há espaço para a revolta – agora só restam a desilusão e o cansaço
Cátia Bruno Revista E, Expresso, 25 março 2017 Em Atenas
Katerina Paroussiadis acorda todos os dias às nove da manhã. Se o dia estiver ameno, levanta-se, veste as calças de ganga coçadas que deixou na noite anterior na cadeira da cozinha, e sai para tratar do seu jardim, onde crescem jarros e camélias. Se for um dia frio de inverno, deixa-se ficar mais um pouco na cama, debaixo dos cobertores. Lá fora está demasiado frio e os 81 euros que paga todos os meses pela eletricidade já são demasiado. Não vale a pena ligar mais tempo o aquecedor que tem na cozinha, a única divisão desta grande vivenda onde se pode sentir um pouco do calor.
Depois de tratar das flores e das árvores de fruto, seguem-se as galinhas, a quem vai dar de comer. “Mantém-me ocupada. Não posso ver televisão nem posso ler, por causa da vista... O que é que hei de fazer com o meu tempo senão tratar das minhas galinhas?” Aos 72 anos, esta grega ocupa todo o seu tempo em casa, quase sempre a ouvir rádio — desligou o serviço de televisão desde que a companhia lhe disse que teria de pagar por um comando novo. Com a vista cada vez mais tremida, achou que o investimento já não se justificava. Além disso, adivinha-se que os euros extra lhe façam falta, apesar de o orgulho não a deixar admitir tal coisa.
Katerina trabalhou 16 anos como hospedeira para a Saudia, companhia aérea da Arábia Saudita. No entanto, apenas os anos em que trabalhou em solo grego, de 1990 a 2008, lhe garantiram uma reforma um pouco acima do valor mínimo, chegando aos 375 euros. Recebe também o EKAS, o complemento solidário para reformados com pensões baixas, mas nos últimos anos viu-o ser reduzido de 130 para 115 euros. Aos 81 euros de eletricidade que paga todos os meses, juntam-se 54 de água e 55 do telefone. A fatia de leão é dada ao Estado: todos os meses, paga 145 euros em imposto de propriedade pela grande vivenda que foi construindo ao longo dos anos de emigrante. “O meu medo é que eles me venham tirar a casa. Trabalhei a vida toda para a construir”, lamenta-se Katerina. Sobram-lhe pouco mais de 150 euros para os medicamentos e para a comida. Nada mais.
A grande vivenda de dois andares, com um moderno portão baixo e cinzento, fica perto de Glyfada, um subúrbio rico de Atenas, ao pé da praia. Foi aqui que esta idosa nasceu e cresceu e foi para aqui que regressou depois de uma vida no estrangeiro. Criada numa família com posses, Katerina cedo decidiu que não iria continuar a trabalhar nos negócios imobiliários do irmão, preferindo trilhar o seu próprio caminho. Em 1971, deixou uma Grécia mergulhada em plena ditadura dos coronéis para procurar liberdade e independência como assistente de bordo. “Eu queria mais. Aprendi a falar inglês, poupei dinheiro, organizei a minha vida. Aprendi a ter mente aberta e a agarrar as oportunidades.”
Foi isso que fez quando regressou a Atenas, em 1989. Os contactos adquiridos em várias viagens ao Paquistão permitiram-lhe montar um negócio de venda de tapetes persas, que geria a partir da sua casa. Em duas salas quase vazias, é ainda possível ver vários tapetes enrolados e amontoados a um canto. Já a enorme sala de estar e de jantar está repleta de centenas de bibelôs: elefantes vindos de África, porcelanas asiáticas, recuerdos que já nem sabe precisar ao certo de que país vieram. Katerina raramente entra nesse altar de memórias. Prefere antes dividir os dias entre o quarto e a cozinha, onde o aquecedor e o rádio lhe fazem companhia. É precisamente nesta última divisão que tem um alarme, para evitar voltar a ser vítima de assaltos, como já aconteceu três vezes. “Por isso não me posso afastar muito daqui”, sentencia com amargura. Além disso, as conversas dos outros velhos nos centros de dia aborrecem-na e qualquer deslocação implica pagar um bilhete de autocarro. “Sem dinheiro, hei de sair para onde? Para fazer o quê?”, pergunta.
“TRAUMATIZADOS PELO SISTEMA” Katerina é apenas uma entre o milhão de pensionistas gregos que viram as suas reformas cortadas e faz parte dos 45% cuja pensão não chega aos 665 euros por mês, valor considerado limiar da pobreza na Grécia. “Eu vivo sozinha, por isso consigo orientar-me. Os meus amigos que têm filhos ou netos estão muito pior”, garante Katerina acenando a cabeça, com os cabelos negros raiados de branco a balançar. Os números dão conta de que quase 50% das famílias gregas estão dependentes da pensão de um dos familiares, segundo dados da Confederação Helénica de Profissionais, Artesãos e Comerciantes (GSEVEE, no original). Com o desemprego a rondar os 23%, filhos e netos dependem dos cozinhados dos avós para sobreviver. É o resultado de sete anos de recessão, agravados por uma austeridade crescente que parece não ter um fim imediato à vista.
Katerina considera-se sortuda por só ter de se preocupar consigo própria. Mesmo assim, não lhe sobra dinheiro para comer fora, nem para ir à Acrópole, como anda a tentar combinar com a amiga Vicki há meses. Muito menos para comprar novos lenços de seda como este que traz atado ao pescoço, uma mancha azul pintalgada de tons dourados que dá alguma cor às suas simples roupas bege. Nas gavetas onde outrora guardava a maquilhagem que colocava todas as manhãs, o espaço é agora ocupado por comprimidos para a tensão e mezinhas para os olhos. Com a comparticipação do Estado, a pensionista ainda consegue comprar alguns remédios na farmácia mais próxima, mas cada embalagem das gotas que usa para a vista custa mais de 70 euros. A solução passa por apanhar um autocarro para a Clínica Comunitária Metropolitana de Elliniko, onde as desejadas gotas lhe serão dadas de graça.
“Em 2012 tivemos quatro mil visitas ao todo. Um ano depois, já recebíamos cerca de 1000 pacientes por mês.” Martha Frangiadakis explica assim ao Expresso a afluência registada nesta clínica. Fundada em dezembro de 2011, tinha como principal objetivo acudir aos desempregados, que perdiam direito ao seguro de saúde público ao fim de um ano. O Governo de Alexis Tsipras acabou por alterar essa regra, dando acesso aos cuidados de saúde a todos os desempregados, mas a clínica continua a ter muitos pacientes que procuram fazer exames ou receber medicação sem pagar.
Graças às doações que recebe um pouco de todo o mundo, a clínica consegue ter uma farmácia permanente e distribuir medicação — às vezes, até os hospitais públicos (que entre 2009 e 2015 viram o seu financiamento ser reduzido em mais de 50%) ligam a pedir os fármacos que lhes faltam. Por trás da porta junto à receção, onde os dez pacientes amontoados na sala de espera aguardam pelos seus remédios, há toda uma linha de montagem em ação: uma voluntária escreve nas embalagens os nomes e dosagens dos medicamentos estrangeiros em grego; outras duas separam-nos por tipo de fármaco; uma terceira etiqueta-os e arruma-os.
As caixas de fruta que em tempos usaram para arrumar medicamentos deram lugar a armários modernos. Uma estante, no entanto, destoa. Em vez das pequenas embalagens brancas cheias de pílulas de várias cores, está repleta de frascos e pacotes de tons amarelo garrido e azul bebé. São papas Cerelac, boiões de fruta e leite em pó para distribuir: “Em 2012 começámos a perceber que as mães que vinham às consultas de pediatria traziam crianças subnutridas, porque estavam a diluir um terço da comida de bebé em água, e não metade, como era suposto, para a fazer durar. Por isso começámos a abastecer-nos disto.”
Martha revela que a clínica tem três regras: não aceita doações em dinheiro, não quer publicidade oficial e no que toca à política apenas pretende “alertar para a destruição do sistema de saúde grego”. Em 2015, esse alerta deu nas vistas quando esta associação rejeitou o “Prémio Cidadão Europeu” dado pelo Parlamento Europeu. “Para nós, seria profundamente hipócrita receber um prémio destes quando a Europa finge não ver os bebés subnutridos, os doentes de cancro sem seguro de saúde que morrem, as histórias das famílias com fome”, escreveram à altura.
“Nós aqui lidamos com pessoas que foram traumatizadas pelo sistema”, admite Martha, sentada em cima de uma mesa num consultório vazio. Lá fora, a equipa continua atarefadamente a distribuição de medicamentos, antes que o horário termine às 18 horas. “Mas não consigo esquecer as histórias de solidariedade incríveis que vemos aqui”, diz. A que mais a impressionou foi a disponibilidade de três pessoas com cancro, que ofereceram alguns dos seus próprios comprimidos Glivec — cujo preço ronda os três mil euros por serem absolutamente necessários à sobrevivência dos doentes —, para ajudar um outro paciente. “Eu acho que não seria este tipo de pessoa”, confessa Martha, de olhos no chão.
JOVENS DE PARTIDA A onda de solidariedade que a crise financeira provocou na Grécia é talvez um dos únicos pontos positivos que Martha aponta e Haris Biskos concorda: “Há agora uma sociedade civil vibrante em Atenas, vemos isso nas iniciativas que há em vários lugares da cidade. Esta é a nova paisagem da crise.”Este jovem arquiteto poderia ter mantido a sua vida confortável na Alemanha, um dos vários países europeus onde trabalhou depois de ter estudado em Harvard, nos EUA. No entanto, com o desabar da crise grega, Haris achou que um regresso a Atenas poderia ser uma oportunidade para fazer coisas novas. Desde então, tem estado envolvido numa série de projetos de urbanismo social, conjugando esse dinamismo com a sua atividade de professor universitário. O arquiteto tenta manter um tom positivo, sublinhando o que considera ser os esforços meritórios da câmara municipal, mas o cenário para a nova geração, com quem Haris convive na Universidade de Patras, está longe de ser animador. Com quase 500 mil já fora do país e com um desemprego jovem acima dos 45%, os jovens gregos estudam não para ter um futuro melhor na Grécia, mas sim para o encontrar fora do país. Sabendo isto, o arquiteto não consegue manter o sorriso o tempo todo. “As pessoas estão fatigadas da crise. Estão cansadas de ouvir os políticos, estão cansadas de que não haja empregos, estão cansadas de que as pensões continuem a ser cortadas. A vida é cada vez mais difícil”, confessa.
Na zona do escritório de Haris, em Monastiraki, os prédios abandonados, de vidros partidos, convivem com os restaurantes mais turísticos da cidade. O ambiente atual em Atenas é precisamente o deste cruzamento entre uma cidade suja e cinzenta com o espírito vibrante de uma metrópole com quase quatro milhões de pessoas. Se a isto juntarmos a nova corrente de iniciativas sociais surgidas da crise, temos a receita para aquilo que muitos consideram ser “uma nova Berlim”. Haris, no entanto, não concorda: “Em termos de imagem pode ser. É uma cidade ‘exótica’, com os graffiti e tudo o mais... Mas isso só acontece porque temos tantos edifícios abandonados. Penso que por trás do pano temos um mecanismo que é diferente do de Berlim. Aqui não se respeita lei nenhuma”, admite, sorrindo.
Caroline Kirkinezos irrita-se profundamente com esse mesmo desrespeito pelas regras que encontra muitas vezes. Talvez seja a costela francesa do lado da mãe, mas esta grega de 38 anos, filha de uma professora e de um canalizador, continua a sentir-se desiludida com o que diz serem as falhas dos gregos. “É mais fácil culpar a Europa ou os alemães, a fonte de todos os males”, afirma entre gargalhadas. Contudo, considera que atualmente a maioria dos gregos já passou da revolta contra a Europa para a revolta contra Tsipras e o Governo do Syriza — uma posição que Caroline acha profundamente injusta. “É preciso mudar a mentalidade. Não acho que se possa culpar uma só pessoa, a situação não ficou assim do dia para a noite. É fácil culpar o Governo e depois olhar para o lado e dizer a alguém: ‘Não tens um diploma? Não faz mal, a gente trata disso’”, diz, piscando o olho, como quem promete solucionar facilmente um problema bicudo.
Caroline tem três filhos — e antes do parto de cada um deles pagou um valor extra ao médico responsável. Evita chamar-lhe um suborno, mas não fala destes incidentes com orgulho: “Há esta mentalidade de que precisamos de pagar para que eles nos tratem bem e acabamos por ceder à pressão. A parteira depois traz o bebé para a família ver e o pai ou o avô tem de lhe dar também uma notinha de 20 euros.” É um dos muitos exemplos da pequena corrupção que ainda se encontra na Grécia e que Caroline vai desfiando, sentada no sofá alaranjado da sua casa em Marousi, um bairro em crescimento a norte de Atenas. A tradutora — que se orgulha de em tempos ter rejeitado uma cunha no ministério da Agricultura proposta por um amigo do pai — tem, apesar das circunstâncias, um emprego estável. De roupas largas e cabelo precocemente grisalho, Caroline está pronta para alternar o trabalho ao computador com as responsabilidades de mãe. É funcionária há vários anos de uma empresa de tecnologias de informação, traduzindo textos do francês para inglês, mas trabalha em casa por imposição da empresa, que assim poupa nas contas. Caroline até agradece, já que assim pode tomar conta dos três filhos.
Às três da tarde, a tradutora abandona o computador e sai para ir buscar à escola os dois filhos mais velhos, Ilias e Constantino, de oito e sete anos. O mais novo, ainda bebé, está com a avó, que mora a 15 minutos dali. “Vão chegar a casa e vão logo fazer os trabalhos de casa, ouviram?”, diz a mãe em francês, enquanto os faz entrar apressadamente para dentro do Renault Clio azul escuro, parado com os quatro piscas em segunda fila. “Sim”, respondem os dois em coro, mas em grego. Dali a duas horas, o mais novo terá de ir para as aulas de piano. É um luxo a que a família de Caroline se permite, bem como os treinos de basquetebol para os filhos, ainda possíveis graças aos dois bons salários que entram em casa.
UMA CRISE OMNIPRESENTE A situação para esta família, no entanto, nem sempre foi tão boa. Caroline recorda os tempos do verão de 2015, quando os gregos foram às urnas rejeitar em massa o acordo proposto pelos credores europeus — que seria oito dias depois aceite pelo próprio Governo do Syriza. O marido, Panos, trabalhava como engenheiro civil numa empresa que já atrasava os pagamentos há vários meses. “Eu perguntava-lhe: ‘O que planeias fazer? Não pedes o teu dinheiro? Eu no teu lugar telefonava ao meu chefe dez vezes por dia!’ Mas ele só me respondia ‘ele tem tantas outras dívidas maiores do que a minha...’” O controlo de capitais imposto em vésperas de referendo foi a machadada final na empresa e Panos ficou sem trabalho e sem os salários em atraso. Surpreendentemente, o engenheiro civil voltou a encontrar emprego três meses depois, embora não tenha um contrato e passe recibos. E, devido à falta de construção em Atenas, todos os trabalhos que realizou até agora foram em Salónica ou na ilha de Paros, o que significou longos meses longe da família.
Caroline define-se como fazendo “parte dos sortudos”. Vive num bom bairro, tem a mãe por perto para ajudar a tomar conta das crianças e ela e o marido estão ambos empregados com salários confortáveis. Mesmo assim, as limitações existem. A sua casa tão bem decorada tem um piano na sala, mas os três filhos terão de se habituar a partilhar o mesmo quarto. A prestação mensal do empréstimo a 45 anos vai pesando, e Caroline e Panos tiveram de insistir forte e feio com o banco para conseguir renegociá-la. Se não o fizessem, poderiam engordar as estatísticas dos 41% de hipotecas não pagas pelos gregos, muitos em risco de perderem as suas casas.
Mais do que isso, o clima que se vive no país afeta todas as famílias, como se se infiltrasse por debaixo da porta. Os pais de dois colegas de Ilias, o filho mais velho, emigraram recentemente para o Dubai. Na escola, os professores ocupam os tempos livres das turmas da primária colocando as crianças a ver filmes, já que não há dinheiro para materiais de trabalhos manuais. A sogra de Caroline visita-os poucas vezes, devido à reforma baixa. E, sobretudo, a perspetiva do desemprego é uma ameaça que paira sempre no ar. Caroline agora compara todos os preços e faz uma gestão apertada. Recusa-se, no entanto, a ser consumida pela ansiedade. Votou em Tsipras em janeiro de 2015, mas desde então desligou-se da política. Não vê notícias, nem desespera com a falta de perspetivas que os seus filhos podem vir a enfrentar. “Prefiro viver no meu próprio mundo”, admite. “Não quero stressar-me a pensar em milhões de hipóteses que podem não vir a acontecer.”
Na outra ponta da cidade, em Glyfada, Katerina não faz outra coisa senão pensar nos cenários mais negros. O seu dia a dia é uma insegurança constante e isso consome-a. Não sabe se o dinheiro chegará, se poderá ser reduzido outra vez, se a Grécia chegará a novo acordo com os credores ou se uma saída do euro ainda está nas cartas. No verão de 2015 sentiu estas incertezas a dobrar, quando foi imposto um controlo de capitais a nível nacional em vésperas de referendo. As horas que passou em filas intermináveis para levantar dinheiro enraiveceram-na de tal forma que acabou por fazer o que até aí só tinha feito raramente — votar. Chegada à urna, pôs uma cruz no “não”.
A réstia de esperança que tinha depositado em Alexis Tsipras esfumou-se desde então e agora Katerina não se cansa de lhe apontar defeitos. Considera-o demasiado jovem, teme que possa ser corrupto e diz que revelou ser “ainda mais direitista” do que os antecessores. A imposição de austeridade que surgiu uma semana depois do referendo deixou-a tão derrotada e desiludida que não tenciona voltar às urnas. Sente-se traída — por Simitis, Karamanlis, Papandreou, Samaras e agora Tsipras. “Eu disse ‘não’ e ele transformou o meu ‘não’ num ‘sim’. Votar outra vez? Para quê?”
Em vez disso, prefere ficar a guardar teimosamente a vivenda de dois andares em Glyfada, como faz todos os dias. É o seu único bem, símbolo de uma juventude que agora parece ter existido numa outra vida. Katerina correu mundo, acumulou riqueza, tornou-se patroa de si mesma. Hoje, só lhe restam memórias em forma de bibelô desse passado, bem como um edifício de pedra e cimento a preservar. À noite, debaixo dos cobertores, pensa sobre os anos de vida que ainda lhe restam. “Da próxima vez que for ao banco, terá a minha pensão sido cortada outra vez? O dinheiro dos meus impostos irá para a dívida, para os alemães ou para o próprio Tsipras? Irá o Governo tirar-me a minha casa?”, interroga-se, com aflição.
Ao confessar tudo isto na cozinha, com os terrores noturnos mais apaziguados pela luz do dia que entra pela janela, os seus olhos cansados fogem-lhe para o batalhão de ícones religiosos que ocupam metade da bancada. A pouca esperança que ainda lhe sobra vai sendo diariamente esmagada pelo peso das dificuldades, representadas em 400 euros mensais de despesas. Um dia poderá já não ter nenhuma. Com a fé nos políticos irremediavelmente perdida, só resta a Katerina soltar uma última prece, dita quase em surdina: “Deus nos ajude.”